Súperos e a Projeção Mental
(POSTANDO/EDITANDO SEMPRE ALGO POR DIA... APROVEITEM...)
(POSTANDO/EDITANDO SEMPRE ALGO POR DIA... APROVEITEM...)
C. H. Sousa
Aviso Um: Esse livro foi escrito para pessoas que possuem
mente aberta. Isso não significa acreditar em tudo o que ele passa, mas sim
respeitar as observações do autor que aqui vos alerta. Não critique. Lembre-se
de que a melhor crítica que você pode fazer a alguém que você “acha” que está
errado é dando exemplo. Se você acha que escrevi algo errado ou incompleto,
tenha a decência de compartilhar isso escrevendo melhor que eu. O Brasil
precisa de mais escritores desta época.
Aviso Dois: Algumas coisas que acontecerão ao personagem
Carlos nesta história são semelhantes a coisas que aconteceram comigo no
passado. Agradeço a Deus e a você por ter a oportunidade de compartilhar isso contigo
caro (a) leitor (a). Sinto muito se não gostar do livro, mas se você gostar,
adoraria dizer que eu te amo. Você é tudo para mim. Minha inspiração para
escrever, para continuar, vem de você. Minha inspiração para viver também, pois
quando um homem não trabalha para a sociedade ele está morto. Apenas sobrevive.
E não vive. Há várias formas de amar, e garanto que compreensão é uma delas.
Amarei todos os que compreenderem esta obra, e amarei igualmente aos que não
gostarem do livro, mas mesmo assim respeitarão minhas idéias. Até mais.
Aviso Três: Aviso especial a minha mãe e meu pai. Desculpe
ter incomodado vocês nas madrugadas que passava com o computador ligado. Eu
dizia a vocês que não escrevia, já que o manuscrito deste livro não estava ao
lado do computador nessas horas, e dizia que ele estava ligado porque eu apenas
assistia filmes e ouvia músicas. Era mentira. Eu na verdade estava compondo as
letras de rock para colocar no livro, pois eu as escrevia direto na máquina sem
um rascunho. Compunha sem revisão porque era mais fácil de me lembrar das
palavras adequadas para montar as rimas. Sei que vocês nunca me entenderão como
artista, principalmente como escritor, mas peço que se lembrem das palavras de
meu psiquiatra quando não me compreenderem ou quando não compreenderem minhas
ações fora do normal. Faço minhas as palavras de meu médico: “Não se preocupe
com o seu modo de vida em relação as outras pessoas, pois todo escritor é obsessivo.”
“O Presidente, porém,
disse: - Mas, que mal fez ele? E eles mais clamavam, dizendo: -Seja
crucificado”. (Bíblia Sagrada, Mateus, 27:23)
A Ivan.
Prólogo – O Número 3
O número três é um
número mágico. Não sei o que a numerologia trata a respeito disso, mas não
escolhi o símbolo do Instituto de Jovens Súperos ao acaso. Construções
triangulares não dobram, e são firmes ao suporte de elementos mais densos. Vou
dar o exemplo mais nobre: a Trindade Santa é composta por três elementos,
fatores divinos e exatos, a composição lógica do universo. "Pai, filho e espírito
santo" estão por toda a parte, complexos, quase que indecifráveis. Pai, a
origem de tudo que existe, intrigantemente Ele está em tudo, mas nada está
nele. Único ser composto por três fatores infinitamente soberanos, Deus é
onipotente, onipresente e onisciente. Logo em seguida o segundo elemento,
"filho". Poderia ser o filho de Deus, Jesus Cristo. Mas, visto que
somos irmãos do mestre, atomicamente falando - moral e espiritualmente falando
seria incorreta tal afirmação, nisso estamos muito atrás de homem mais ilustre
que tocou o solo - a palavra filho seria toda e qualquer matéria, já que ela é
composta de átomos, criados por alguém. Em minha humilde opinião, por Deus. É difícil
entrar na minha cabeça que o acaso criou absolutamente tudo que existe. É
preciso muita inteligência para criar algo tão complexo, e nesse caso não foi o
"algo" que foi criado. Foi o tudo. Ainda sou cabeça dura, pois não
creio que o acaso seja nem mesmo um ser vivo. Para mim o acaso simplesmente não
existe.
Segundo a ordem
universal, dois elementos já foram: Deus e a matéria. Faltaria um, e este devo
expor com cuidado, pois ele é intimamente ligado ao terceiro elemento da
Trindade Santa. Espírito Santo nasceu do latim, e se não estou muito enganado,
facilmente este nome em sua língua de origem tem a letra "S" retirada
do fim da palavra. Um erro de tradução, de adaptação às línguas latinas, pois
muitas palavras latinas terminam com a letra e nem a metade dessa quantidade é
um termo no plural. Seria como a expressão: "Res familiaris: bens de
família". Então uma pergunta paira: e se o termo "espírito
santo" for, na verdade "espíritos santos"? Nisso provavelmente
fecharia o terceiro elemento restante da composição do universo. Se o plural do
latim permanecer nas duas palavras, o universo seria composto por Deus, a
matéria e por último o mundo espiritual, a real essência de cada ser.
Nota-se por uma explicação
dessas que o numero três é a definição de universos complexos, e que apesar de
ser um número pequeno, parece dividir corretamente qualquer coisa. São três as
partes do corpo humano (cabeça, tronco e membros), são três as divisões das
ciências originarias da filosófica mente humana (ciências exatas, humanas e
biológicas) e a vida tem três fases (nascer, crescer, morrer). Um mês tem
aproximadamente três dezenas de dias. Os médicos verificam a saúde torácica com
paciente com mais precisão se o mesmo disser trinta e três. A semana começa
mesmo é na terça-feira, na segunda nunca temos ânimo, assim como acontece com o
mês de ano novo e o carnaval, que são um preparo básico para o ano de labuta
que está por vir, se iniciando no terceiro mês.
Parece loucura, mas
sempre procuro novas formas de escrita. Desta vez decidi escrever um livro com
prólogo baseado no número três, para definir o que esta por vir. Os súperos de
ordem biológica, física e química foram assim classificados para melhor
entendimento.
O mundo em que vivemos (nós, os seres
racionais) se divide ao nosso ponto de vista em três: a razão, os sentidos e o
desconhecido. Os sentidos criam paixões em nossas mentes - e nos faz
compreender o que muitas vezes a razão não nos revela - e dividem-se novamente
por três: artes, lazer e contato social. Das artes existentes temos três
principais: literatura, musica e artes visuais (esta ultima derivou as outras,
como artes plásticas e até cinema, uma mistura das três principais, que é
composto, além das próprias imagens e até fotografia – que são artes visuais - enredo
– que é a literatura - e trilha sonora – que por último é a própria musica,
seja ela feita por instrumentos ou não). Das artes, a que me interessa expor a
você nessa ocasião, obviamente, é a literatura.
Existem três tipos
de livros: os que lemos por obrigação, os que lemos por diversão e os que não
lemos.
Os obrigatórios se
dividem em três outros grupos: escolares e didáticos (os que os professores nos
aconselham a estudar para entender melhor como o nosso mundo funciona); os
curiosos (os que nos obrigam a dar uma conferida, para conhecer por curiosidade
o que poucos comentam num diálogo comum) e os best-sellers (os que vemos sendo
vendidos aos milhões, e que muito provavelmente devem ser fantásticos, do
contrário não seriam tão famosos).
Os livros que lemos
por diversão se dividem em outros três fatores: dissertação, descrição e
narração.
A última citada tem por base três coisas: personagens (que
falarei mais a frente), tempo e espaço. Estas três coisas dão vida ao enredo da
narração. São vários os tipos de narração, mas a que interessa a mim aqui citar
aqui é a ficção.
A ficção é a forma
de ser dizer coisas reais através de metáforas. Também é a maneira de se fugir
um pouco da realidade, pois ela pode ser enjoativa, irritante e às vezes até
mesmo perturbadora. Ficar sempre na mesma rotina pode levar uma pessoa à
loucura. Uma das coisas mais complexas que existem ao se construir uma narração
fictícia é a individualidade dos personagens, ainda que seja um ou vários. Como
eu disse anteriormente, os personagens são um terço da história.
Existem três tipos
de personagens: principais, secundários e terciários. São classificados por
nível de aparição e de importância no decorrer da história. Dos principais os
heróis e os vilões são os mais freqüentes. Heróis são aqueles que todos querem
ser, mas ninguém consegue ser, em tempo integral pelo menos. Vilões são os que
estão em maior número, por que é muito mais fácil ser vilão que herói. É muito difícil
ser herói porque só os que são fortes conseguem. Vilões são o oposto. Gente
fraca tem por toda parte.
Heróis se dividem
em três tipos: os que são, mas não sabem que são; os que tentam ser comuns mais
no fundo são heróis e os anti-heróis. Os que são, mas não sabem que são,
ocorrem de maneira mais rara: compreende aqueles que lutam sem saber se sua
luta irá resolver alguma coisa. Cansados eles lutam por que acreditam que se a
vida fosse fácil e se ela girasse somente em torno de nós mesmos, ela seria
muito sem graça. Nunca admitem que são heróis porque a humildade e a inocência
não permite isso. Muitas vezes, se consideram tão normais e tão vulneráveis que
pensam ser piores e anormais do que os próprios vilões. Sempre se perdem, mas
sempre se encontram. Por perderem tempo demais em conflito consigo mesmo são
incorruptíveis em sua relação com o restante do mundo, a menos que o mundo lhes
mostre quem realmente são. Buscam ser anônimos. Os que tentam ser comuns, mas
no fundo são heróis ajudam os que querem ir para o lado errado do mundo; sabem
que não tem poder suficiente para salvar a todos, mas se conforma em salvar
somente um que seja. Enfim, buscam ajudar os outros. Os anti-heróis são os
vilões conscientes; aqueles que já foram vilões em alguma parte da história e
se convenceram que existe algo errado nisso tudo, porque foram sacaneados a
vida toda e de nada adiantou sacanear o mundo dando o troco. São os mais perigosos
para os vilões, pois já foram um, e sabem como a cabeça de um vilão funciona. Também,
possivelmente, são os mais violentos e resolvem problemas sem a menor sutileza,
o que muitas vezes faz com que sejam mais amados que odiados. Eles, por ainda
estarem em regeneração, têm o orgulho herdado de sua fase "vilã", se
considerando os verdadeiros heróis, o que muitas vezes pode até ajudar. Buscam
ser reconhecidos.
Dos vilões temos
(adivinhe...) três tipos: os que falham por prejudicar o próximo, os que falham
por se prejudicarem e os que falham por nem prejudicar e nem ajudar. Sobre os
vilões eu não quero me aprofundar muito, pois vários tem a oportunidade de
ajudar e não ajudam, e só por esse motivo já são considerados vilões. Existem
vários tipos, e eu passaria tempo demais falando sobre eles. Não me interessa
muito os vilões. O que me interessa são as pessoas em geral. Personagens
principais de suas vidas e secundários da vida social.
Porque existem três
tipos de pessoas: as que lêem, as que escrevem e as que têm preguiça de fazer
as duas coisas. As que me interessam, lógico, são os leitores e os escritores.
É por eles que ainda escrevo. Ser escritor no Brasil pode ser uma ofensa
àqueles que são preguiçosos. Pode ser uma ofensa ainda maior para os que são
manipulados.
Existem três tipos
de leitores: os que leram o prólogo deste livro por sentir interesse, os que
não leram o prólogo deste livro porque estavam com preguiça e querem partir do
primeiro capítulo em diante (seria o mesmo que ler este livro antes de ler
"Súperos e a Chave Elemental") e os que não leram porque não tiveram
oportunidade de ter esse livro em mãos. Aos que leram, agradeço imensamente.
Não leram à toa. Se não lessem não saberiam o que vou alertar agora em seguida:
a história deste segundo livro estará sendo narrada por uma das personagens da
história (Yasmin), assim o livro fica um pouco mais real e se quebra a
monotonia do escritor que aqui vos escreve. Aos que não leram, paciência... não
vão entender o início da história direito porque deixaram de ler uma simples
frase do prólogo.
Carlos H. S.
Capítulo Um
Rock Morto e Rádio Mortal
Abri os olhos sem
vontade nenhuma de acordar.
Das coisas que eu
menos gostava era acordar com o sol batendo na minha cara, e isso acontecia
todas as manhãs, quando minha mãe me acordava. Até que já tinha me acostumado
com essa parte. A parte ruim era estar, ou melhor, não estar pronta para ir
para o colégio. Sempre acordo sem fome e sem animo. Sempre peço cinco
minutinhos a mais para minha mãe, mas nunca resolve.
Olhei para o
espelho trincado em meu guarda-roupa e vi uma menina baixa, não muito magra e
nem muito gorda, com cabelos lisos negros e bagunçados, grandes fios cobrindo
um rosto de quem ainda estava sob ressaca matutina. Meu piercing brilhava de
longe, com luz do sol refletida na minha narina direita.
Os pôsteres dos
meus ex-ídolos jogados no canto do meu quarto com fita adesiva embolada me
alertavam. "Acorda Yasmin, o rock não pode parar...", refleti e me
lembrei que tinha desistido do rock, e enquanto me levantava e vestia agora
minha calça surrada e com rasgos distribuídos pelo jeans desgastados. Peguei o
all-star velho que estava a alguns metros de mim ainda bocejando como punks em
época de eleição, coloquei minha mochila nas costas verificando se o celular
estava em um dos bolsos de minha calça, o que por sinal estava, porque eu nunca
o tirava de lá, e parti para a sala.
No caminho
tropecei no fio da internet conectado em meu modem obsoleto, agradecendo a Deus
por ele ter durado tanto tempo. O cheiro forte e nauseante do café que era
coado na cozinha poderia ser a explicação pelo descuido.
- Seu irmão mandou
lembranças - disse meu pai enquanto tomava café com açúcar e comia um pão farto
de margarina.
- Serio? Falou com
ele por telefone?
- Sim, agora a
pouco. Até quando vai continuar com isso?
- Sinto falta
dele... hã? Isso o quê?
- O piercing Yasmin
- respondia minha mãe pelo meu pai.
- Sabiam que foi o
mano que me ensinou ter paixão por essas coisas?
- A barulheira de
antigamente até que aturamos, mas isso... Você é muito mais bonitinha sem
isso...
Lembrei-me de
quando cheguei em casa com o piercing sem avisar a minha mãe. Quase que enfarto
a mulher.
- A "barulheira"
é punk rock hardcore, e ele era minha válvula de escape deste mundo injusto. Sorte
de vocês que tirei da minha cabeça e coloquei só Jesus. E tão se acostumando
com o piercing... Tão falando menos vezes dele... Para Jesus a aparência é o de
menos.
- Teu irmão criou
responsabilidade e até já se casou.
- Ele é mais velho
que eu - respondi enquanto comia uma bolacha de chocolate.
- A questão não é
essa, ah, esquece! - Ele desiste fácil.
- Olha a hora
mocinha...
Depois de olhar o
despertador "voei" para o banheiro e escovei os dentes. Quando eu
queria ser rápida eu conseguia. A água da pia me ajudou a acordar direito.
- To indo. Beijo
mãe.
A algum tempo,
“naquela época”, eu bem que queria fazer um corte moicano, mas eles iam achar
que eu estria usando drogas, aí eu desisti.
Antes de ir vi que
estava esquecendo um livro na mochila - a achei leve demais - e voltei ao
quarto quando ouvi um barulho estranho que vinha do alto do guarda-roupa. Era
uma mariposa se debatendo contra uma caixa de sapatos que juntava poeira e
teias de aranha. Sem pensar duas vezes tirei o all star e arremessei na caixa.
Ambos caíram no chão com um barulho oco típico de uma caixa de papelão.
- O que esta
havendo? - Meu pai entrou pelo quarto mais rápido que o tênis que tinha jogado.
- Nada - respondi
de imediato - é só um inseto.
- Pelo barulho pensei
que fosse um urso.
- Rá ra. To indo -
retomei a mochila com os livros dentro e
calcei novamente o calçado velho, odiando mortalmente a monstruosidade alada, desejando
que se engarranchasse em alguma casa de aranha. Odeio insetos. Talvez o
ecossistema fosse afetado com a ausência deles, mas por mim eles nunca teriam
sido criados. Por último decidi não olhar para o espelho novamente. Meu
desânimo poderia ser aumentado se me visse de novo, agora mais acordada eu
poderia me assustar com o rosto mais detalhado, cheio de espinhas horrorosas
além dos defeitos já citados anteriormente. Tentei sorrir para melhorar minha fisionomia.
Era o fim do
primeiro semestre, e eu torcia para as férias chegarem logo. Nada mudava: os
mesmos asfaltos cheios de buracos, as mesmas casas humildes no caminho para o
ponto de ônibus, os mesmos lotes baldios cheios de entulho – herdei o enjôo das
paisagens rurais da minha época de rock - o mesmo ponto de ônibus cheio de
números de telefones do tipo "procura-se homem", que eu nem fazia
questão de ler tudo. As coisas eram mais fáceis quando eu era criança, agora
aos quinze estava começando a perder fé na humanidade.
O ônibus, lotado
para variar, tinha o frio absorvido por suas paredes de metal, então, tanto
fazia ficar lá fora ou lá dentro, a temperatura era a mesma. Quando começou a
lotar "realmente" - acredite, existem ônibus lotados e ônibus LOTADOS
- esquentou, mas era um calor abafado. Aliás, tudo era abafado: o calor, a
respiração, os gritos das crianças. Tudo.
Quando saí do ônibus
o frio impregnou meu rosto, e eu sabia que aquilo não ia durar a manhã inteira.
As vezes durava, mas era raro. Logo o sol do meio-dia estaria iluminando a
minha saída do meu primeiro dia de aula, no velho colégio, na velha sala.
O colégio não
mudara nada ao longo dos anos. Os mesmos imbecis me apontando como se eu fosse um
acidente da natureza. Lá eu era. Era uma goianiense que antes curtia rock ao
invés de modão e musica eletrônica, como todo mundo costumava gostar, e que
agora não curtia nada em especial. Agora tinha largado o rock e curtia outras
coisas, ou então nada. Curiosamente as pessoas que ficaram minhas amigas aqui
são isoladas por algum motivo; ou são inteligentes demais, ou são gordas, ou
são negras, ou coisa do tipo. Eu obviamente nasci no estado errado, talvez até
país errado. Embora eu não seja muito fã dos Estados Unidos e de seu
capitalismo envolvente - deve ser porque eu era punk, ou pobre, ou as duas
coisas - lá eles aceitariam uma ex-rockeira com maior tranquilidade do que aqui.
Se ainda fosse, estaria mais revoltado do que estou. Ah. E lá eles tem bem mais
protestantes que aqui. Aqui o catolicismo reina.
Redação. Horrível.
A aula e o professor. O que me deixava mais anormal ainda do que o meu visual
era as minhas preferências escolares: arrebentava em física, sacava tudo de química
e amava matemática, álgebra principalmente. Quando se tratava de textos eu era
meio desanimada, porque estranhamente entendo em segundos funções exponenciais,
mas não sabia a diferença de aposto e vocativo. Se professores ganhassem bem eu
até que prestaria vestibular para física no fim do ensino médio... mas até lá
tem muita coisa para acontecer, nem preciso me preocupar com isso por enquanto.
O que me interessava agora, no segundo semestre do primeiro ano, era recuperar
as notas de história.
A única matéria que
me fascinava em termos de letras, mais do que números, era filosofia. Mas infelizmente
escola pública não tem filosofia - se tem ninguém avisou para a nossa diretora –
então o jeito era tolerar os textos históricos. É estranho eu gostar de
filosofia e não gostar nem mesmo de literatura, eu admito, mas acho muito massa
as viagens que os caras faziam quando não tinha nada para fazer. Eu vivia me distraindo,
pensando nessas coisas no meio da aula - principalmente se na aula ficavam
enchendo o meu saco - porque eu tinha lido alguns livros sobre filosofia e era
uma coisa mais louca que a outra. Acho que os caras da Grécia antiga eram
punks; primeiro porque defendiam os seus ideais mesmo que isso custasse-lhes a
morte; segundo porque eles ficavam no ócio para montar suas teorias. Os
matemáticos, por exemplo, diziam que Deus era o geômetra supremo, e que ele
criou tudo com base na matemática; o movimento dos planetas, o tamanho do
universo, tudo. E eles diziam umas coisas dessas do nada. Como não tinham nada
para fazer ficavam pensando. Bando de à toas que inventaram as origens
reflexivas da humanidade. Bando de rockeiros. "Trabalhar para
que...", eles deviam argumentar, “... o trabalho nos cansa, e cansados nós
não pensamos. Vocês, todos vocês são fantoches do sistema, porque trabalham
demais para ele e nunca pensam por si mesmos...". Maneiro. Mas sempre
quando fico com o olhar parado pensando nessas coisas, vem alguém e me
atrapalha. Em casa meu pai pede para eu acordar, e na escola quem faz isso são
os caras que nós sabemos que são aqueles galinhas que insultam os nerds, e que
são inevitavelmente massacrados por eles no futuro, lá na concorrência de
mercado. Posso não ser nerd, mas sou observadora.
Logo quando eu
estava pensando nisso tudo um deles vira meu cabelo do avesso e diz alto:
"acorda!", aí eu meto um murro na costela e ele vai atentar outro que
esta viajando na maionese como eu, ou alguém que esta tirando uma soneca na
primeira aula. Às vezes a escola é um saco. O que salvava era a queimada na
educação física.
Como eu disse não
entendo muito da história humana, mas acho que o que é necessário para viver é
coragem e resignação. E nem preciso saber da evolução histórica para entender isso.
Temos que servir aos vermes, mesmo que isso nos custe à morte. Cristo foi um
exemplo disso, não tenha dúvida, mas é tão difícil... E é uma missão que dá
medo. Será que Jesus era sobre-humano? Deve ter se superado muito para aguentar
os vermes ignorantes. Acho que a maior superação está nisso: suportar e ajudar
os ignorantes. O que pega é que os ignorantes nem sempre querem ser ajudados.
Que porcaria. É mais fácil ser uma pessoa normal. Mas talvez seja normal ser
diferente. Ou nem sempre. Sei lá, não sei de mais nada.
Acho bastante
anormal a pessoa que inventou as igrejas. Não do modo pejorativo, mas do modo
sinistro e violentamente criativo de como foi montado o teto das igrejas. Já
percebi isso; todas as igrejas apontam para o céu. Parece mensagem subliminar...
O cara que pensou nisso deve ter tido um QI de um milhão, porque nem deve ter
pensado muito. "Muito bem, os fiéis querem um lugar para rezar, um lugar
mais perto de Deus, mais perto do céu, onde quando se entra neste lugar e se
olha para cima para orar ao senhor de tudo, ela sinta que o teto seja alto,
estranhamente fascinante e profundo. Vamos fazer um teto em forma de cone, ou
então uma pirâmide..." Olha aí a matemática - mais filosófica do que nunca
- novamente. Só que desta vez, em forma de geometria.
No término da aula
o mesmo trajeto rotineiro: as ruas, já com bem mais carros do que de manhã
estavam lotadas de alunos que saíam das aulas; uns indo para o ponto de ônibus,
como eu; outros trocando de camiseta para não serem reconhecidos entrando em
lan-houses; casais adolescentes - ou pré-adolescentes - se esfregando em sombras de árvores, quando o
sol ocupava o meio do céu, um experimentando a boca do outro como se aquilo substituísse
um almoço que já estava por vir. Cenas que todos estavam cansados de ver e que
não era tão absurdo. Podem até pensar que sou mal humorada, mas não sou. Sério.
To dizendo só o que eu percebo, sou palhaça até demais as vezes, quando brinco
com minhas amigas. É que não há muitos motivos para eu ficar com um sorriso no
rosto, com tanta coisa acontecendo de ruim, fora as que não são noticiadas pela
mídia. Acho que Deus criou os animais com asas primeiro. Acho que ele não deu
asas às cobras porque elas iam ser criadas depois dos pássaros, e as vezes
criaturas novinhas tem pouca malícia. Ou quase nenhuma. Não se dá liberdade a
quem não sabe o significado disso ainda. Foi nisso que eu pensei quando vi um
guarda obrigando vários a irem para a casa logo e pararem de vadiagem.
O engraçado é que
depois de mais um dia de aula, estava me sentindo meio estranha. O sol parecia
mais quente e eu estava mais cansada do que o habitual. Não era consequência do
tempo que estive longe da escola. De repente cruzei uma rua para ir ao ponto de
ônibus e lá estava eu, cada vez mais tonta. Depois comecei a me sentir
nauseada. Passei suavemente a mão na testa, mas não achei que estava com febre,
e a esta altura já estava com o corpo dolorido. Estava aumentando. Nunca tinha
sentido isso em minha vida. Sentei no ponto de ônibus exausta e fui
surpreendida por uma mulher.
- Está sentindo
isso?
- O que? - estava
ruim mesmo, quase não a escutei - Sentindo algo estranho?
-É - confirmou ela
a mim - também estou passando mal. E meu filho - e ela parou de falar e apontou
para uma poça de vômito diante de um menino sentado ao lado dela, de mais ou
menos sete anos.
Só depois percebi
que o ponto, como sempre estava lotado de estudantes, mas todos estavam
encostados em paredes de bares espalhados por detrás do ponto, ou sentados no
chão sem se importar com formigas ou cocô de cachorro. Definitivamente não era
só eu.
- O que está
acontecendo aqui? - perguntei a uma das garotas a alguns metros de mim, o sol insuportavelmente
quente.
- Não sei - ela só
quis dizer isso. Provavelmente estava enjoada como eu, ou mais que eu por estar
lá a mais tempo.
A medida que os
ônibus chegavam, atrasados e lotados como de costume, o ponto foi se
esvaziando, mas a sensação de imenso mal estar permanecia. Então uma coisa mais
estranha ainda aconteceu.
Um dos ônibus parou, e ficou muito tempo no
ponto - o povo tava louco para sair do lugar e eu também, mas ainda não tava a
fim de enfrentar empurra-empurra - e então até o motorista começou a se sentir
mal. Assim que fechou as portas empurrando o pessoal para dentro do ônibus ele
acelerou e vinha uma criança atravessando a rua atrás de uma maldita bola. Bati
em retirada dando socos na lateral do veículo e consegui acordar o motorista
com meu pânico - sabe lá se estava embriagado ou só passando mal mesmo. O
problema foi que no meio do caminho eu pisei numa tampa de metal e ela revirou.
Com o meu peso eu desci direto e caí no buraco mal tampado. Demorei quatro
segundos para aterrissar lá em baixo. Quando vi estava num poço. A muitos
metros debaixo do asfalto eu ouvia a gritaria, e fingia que não estava toda
ralada e com uma das pernas provavelmente fraturada.
- Ei, mocinha! Está
me ouvindo?!
- ESTOU! PEDE
AJUDA! - gritei. Não ouvi a voz de quem me chamava muito forte. Deveria estar
gritando, mas a distância era muita.
- Aguente firme! -
ouvi a resposta, e quando ouvi senti a mochila embaixo de mim. Pelo menos
alguma coisa amorteceu a queda. Porém, depois que eu caí, o mal estar aumentou significativamente.
Foi então que algo
me despertou. Algo que sempre me desperta. Baratas. Mariposas eu odeio, baratas
mais ainda. Muito provavelmente eu caíra em um esgoto, mas todas as baratas e
insetos estavam mortos. Segurei o grito quando vi que meu pé estava em cima de
um rato morto. Era estranho, tudo morto em meu redor, mas nada estava com
aparência esmagada. A pouca luz que entrava me revelava que os bichos já
estavam mortos quando eu caí. Eu só consegui perceber isso. Foi então quando
senti que uma dor de cabeça violenta tinha me atingido. E quanto mais eu estava
perto de um determinado lado do poço - que eu tinha percebido que não era de
esgoto, sei lá, tava sem cheiro ruim - a dor aumentava. Me virei em direção ao
canto que me incomodava e vi que o local estava luminoso não pela luz do sol, e
sim por uma coisa presa numa falha de tijolos.
Senti a coisa
brilhando forte demais. Virei-me com cuidado no poço apertado e senti mais dor
na cabeça do que eu jamais teria sentido em toda mina vida. Esbarrei sem querer
a mochila na parede luminosa tentando evitar um dos nojentos cadáveres de rato
e a luminosidade aumentou, olhei para ela e senti enjôo. Parei e senti minha
pressão cair enquanto fazia esforço para não vomitar. Foi quando percebi.
"Vou desmaiar", pensei. Quando imaginei isso minha cabeça queimava no
buraco. Fechei os olhos e logo em seguida apaguei.
Capítulo Dois
O Soldado Branco
Abri os olhos no
quarto iluminado e senti um desconforto de dopamento. Percebi os curativos em
várias partes do meu corpo e senti um inconfundível cheiro de hospital. Aliviei-me.
Sobrevivi.
Senti uma formiga
andando na lateral da minha cama. Quase rompi a mangueirinha que me conectava
no soro fisiológico tentando matá-la. Desejei fortemente que ela saísse dali,
porque a última coisa que eu gostaria agora era um inseto andando em mim toda
quebrada. Quando eu a olhei diretamente ela saltou em direção ao chão.
"Ótimo, deixa eu aproveitar a minha dor em paz" pensei, mas foi aí
que percebi que meu corpo estava bem. Pensei que tinha quebrado a perna, mas só
a machuquei. Para dizer a verdade, e eu custei acreditar nisso, não estava
sentindo dor alguma. Mexi meu corpo num pensamento de pânico de talvez estar
paralítica, mas Deus não deixou isso acontecer. Alguém do meu lado viu que eu
me mexia nessa hora e apoiou suas mãos em mim, me parando.
- Calma que você
ainda não está totalmente recuperada.
Reconheci a voz de
minha mãe. Logo em seguida ela chamou meu pai, e acho que ele ligou para metade
da família contando que eu tinha acordado.
- Como se sente?
- Bem, mas me sentiria melhor se parasse de
chorar - vi o olhar borrado dela em cima de mim. Deve ter chorado horrores.
- Você é mais forte
do que eu pensava minha filha...
- Puxei à senhora.
O que aconteceu realmente?
- Você caiu num
buraco - aí me lembrei do acontecido - quando a encontramos estava quase em
estado de coma...
- Credo! Vou ficar
aqui muito tempo?
- Estávamos
esperando você acordar para decidir isso...
- Yasmin?
Alguém me chamou a
atenção. Vi de relance e um homem de branco me observava, agora de perto. Era
muito magro e usava óculos que refletiam a luz o sol de forma forte. Quase me
cegou quando o reflexo bateu na minha cara.
- Doutor? Pode me
dar alta agora? - arrisquei - odeio hospital.
- Ele não é o
médico minha filha - disse minha mãe.
- Eu sou - entrou
no quarto um cara plantonista - demorou a acordar em mocinha...
- Por quê? Quantas
horas?
- Que eu te espero?
Mais de quarenta e oito - respondeu o rapaz do meu lado, e só agora tinha visto
que era bem jovem, e bem alto.
- Quê? Estou aqui a
dois dias?! - mina voz estava fraca, e só agora percebi que estava com uma fome
dos diabos.
- Três - respondeu o
outro cara sentado, me corrigindo - cheguei aqui um dia depois do acidente.
- Vão conversar
agora? - perguntou o doutor ao rapaz, que em seguida balançou a cabeça
afirmativamente - Vou deixá-los a sós então.
E então ele saiu do
quarto. E foi só.
- Alguém pode me
explicar o que esta acontecendo aqui?
- Calma Yasmin -
agora era meu pai falando - o rapaz já nos deu o maior apoio enquanto você não
acordava. Ele que nos explicou tudo...
- Tudo como, se ele
nem estava lá? Ou eu passei tão mal que nem te vi?
- Não estava mesmo
- agora ele fazia um gesto para meus pais se sentarem nas cadeiras do quarto, e
então ele imitou o gesto se sentando também - expliquei tudo sobre o Rádio.
- Desculpe? - achei
que nem tinha entendido direito.
- No buraco onde
você caiu, no poço, cisterna, sabe-se lá o que era aquilo, estava cheio de
radiação. Cheio do elemento Rádio. Você ficou exposta a radiação tamanha que
quase te matou. Seus pais, a nosso pedido, não deram alarme na mídia. Ninguém
pode saber sobre isso.
- "A nosso
pedido"? Quem é você?
Ele deu um sorriso
tímido para esconder uns dentes meio tortos e depois respondeu:
- Estou
representando um colégio, o Instituto de Jovens Súperos. Meu nome é Carlos - e
ele se levantou me estendendo a mão.
- Prazer, mas não entendi nada – disse a ele
enquanto o cumprimentei com a mão enfaixada.
- Eu sei Yasmin,
vou explicar com calma...
- Está com dor de
cabeça?
- Não... porquê?
Apontei para a
faixa prateada presa em sua cabeça e ele se sentou rindo. A faixa era longa e
brilhante.
- Isso é um
presente dos meus pais. Bem, esta fazendo o primeiro ano, certo?
Minha mãe deve ter
feito um relatório da minha vida para o desconhecido, mas só depois lembrei que
ele deveria estar com eles há dois dias.
- Certo. Olha,
obrigada.
- Pelo que?
- Por ter ficado
com meus pais.
- De nada -
respondeu ele meio tímido - interrompi minhas aulas para te recrutar, o Diretor
anda ocupado demais...
Meus pais estavam
quietos. Com certeza tinha inteira confiança no garoto. Comecei então a ver que
ele era bem simples.
- Porque o branco?
- Amo usar branco.
Eu fico mais legal. Eu acho.
- Ah sim, agora me
lembrei - o brilho da faixa que eu só então consegui perceber que era prateada
me trouxe de volta às dúvidas - Instituto de quê?
Mais uma vez ele
sorriu de meu jeito espevitado de perguntar as coisas, na lata.
- Instituto de
Jovens Súperos, o IJS.
- Você estuda lá?
- Sim. E provavelmente
você vai estudar lá também, e na minha sala, pelo que vi. É a que tem menos
alunos...
- Quantos anos você
tem rapaz?!
- Quinze -
respondeu ele.
- É bem altinho
para ter quinze anos...
- Yasmin! - meu pai
me corrigia enquanto Carlos pedia por um simples gesto para ele parar.
- Todos se assustam
com minha altura...
- Por que diz que
vou estudar lá?
- Por sua segurança.
- Não vou mais cair
em buraco nenhum - prometi enquanto ele ria novamente.
- Não é do buraco
que vão te proteger. Talvez a protejamos de seu próprio poder. Só a
localizamos, não sabemos seu poder ainda. Lá seus poderes se manifestarão sem a
descoberta de quem não está preparado para descobrir nossa existência. Não é
certeza, não somos muito sofisticados, escola do governo, já viu né... Mas
vamos tentar...
- Poder? -
perguntei irresistivelmente enquanto ele continuava.
- Yasmin - ele deu
prosseguimento na explicação - já disse com detalhes aos seu pais, então direi
a você agora, mas sem mais detalhes, porque o tempo é curto. Existem três
destinos para os seres que se envolvem com acidentes radiológicos ou
radioativos. A morte; a vida com deficiências, como é o caso de ter
transformações genéticas depois da fase de mudanças hormonais que alteram o
DNA, que é a fase da adolescência; e a vida com superações. Esse último destino
aconteceu com você. Apesar de raro acontece de um súpero nascer assim. Já se nasce
súpero, como eu acho que aconteceu comigo, quando a mãe grávida se envolve com
tal acidente ou coisa parecida. Resumindo, você é um súpero agora, um ser
humano que se superou geneticamente ao ficar exposta a radiação.
- Que viagem cara! Ta
maluco?! - fiquei indignada.
- Filha, o que
foi?!
- Pai, você
acreditou nele? Que história é essa de poderes e de transformações, isso não
existe! Se você é um desses então, que poder você tem?
Rapidamente Carlos
se levantou e ergueu a cama como se fosse feita de papelão, e fez sem a menor
dificuldade, sorrindo para mim.
- Caramba!!
- Acredita agora? -
perguntou ele me colocando no chão novamente - tenho uma velocidade acima do
normal também.
- Sério? - me
animei com o poder do garoto - que dizer... acredito em você...
E em um piscar de olhos
ele estava sentado. Era sem dúvida muito rápido. Mais rápido que o olho humano.
- Isso é coisa
de... sei lá... que viagem cara... que poder eu tenho?
- Como eu disse,
não sabemos. Por enquanto só localizamos os súperos assim que um deles surge no
mapa do centro-oeste. Na verdade eu sou de São Paulo, mas as vagas da outra
escola de minha região estavam lotadas, então estou estudando aqui.
- Caramba... demora
quanto tempo para o poder aparecer?
- Varia de súpero
para súpero. Yasmin, precisamos levar você assim que ter alta no hospital... se
ficar aqui fora pode ser arriscado... se seu poder aparecer no meio de muita
gente...
- Por que ninguém
pode saber de vocês, digo, de nós?
- As pessoas iriam
se aproveitar disso...
Não foi muito
difícil imaginar isso. Por isso ninguém nunca tinha ouvido falar do colégio ou
dos tais súperos. Tudo estava claro, até a confiança dos meus pais com o
garoto; se ele quisesse fazer mal a mim ou a eles já teria feito há muito
tempo, afinal, ele é forte demais...
- Estou encantada
com isso tudo. Deveria estar com medo do meu poder, mas estou encantada...
- Sei como é -
agora seu sorriso era o maior que ele dera - fiquei assim quando me acharam.
- Como vocês acham
os súperos com tanta precisão?
- Não sei. Só quem
sabe é o diretor... Tem mais uma coisa Yasmin.
E então ele se lembrou
do que estava para dizer.
- Protegem os
súperos de seu ego também, nesse nosso colégio. Não se pode combater o crime
por ai. Pode ser, e é perigoso. Não é aconselhável por ninguém reagir a assaltos,
por exemplo. Mesmo tendo poderes sobre humanos...
- Entendi... esse
colégio é um internato? Como ninguém pode ficar sabendo de nós...
- Sim.
Infelizmente, para sua proteção, você, junto a nós, verá seus pais só no fim do
terceiro ano. É assim com todos nós. Mas pode enviar cartas se quiser. Sempre
envio aos meus pais, e eles respondem de volta.
- Sei - percebi que
minha mãe fez uma cara triste; primeiro meu irmão se casa e obviamente deixa de
morar com a gente, depois eu sair para minha própria segurança... que chato - e
onde fica esse colégio?
- Outro segredo que
nem nós alunos sabemos. Só se é revelado que fica em algum lugar do estado
goiano. Onde exatamente, poucos podem saber.
- Vocês confiam na
proteção e no silêncio do governo?
Essa pergunta o
confundiu.
- Porque não
acreditaríamos?
- Tem muito
corrupto lá... sei lá...
- Entendo sua
preocupação. Mas é mais ou menos como eu disse: poucos sabem sobre nós...
afinal, o poder dos súperos, penso eu, pode ser infinito. Tem poder de tudo que
é jeito...
- Infinito? -
questionei.
- Tudo que é
desconhecido é infinito para quem o desconhece, não?
Refleti muitos
segundos até responder com base no tamanho do universo que o homem jamais
conseguiu "medir". O garoto era inteligente.
- Acho que sim...
que filosófico...
- Minhas crenças
são baseadas na razão. Assim como não vejo razão para não acreditar em Deus.
Todo efeito tem sua causa não? O que o homem não criou foi criado por algum
outro ser... Mas isso é outro assunto, que pode até ofender quem não crê n'Ele.
O garoto era
inteligente até para mudar de assunto. Lembrei que ele disse que era de São
Paulo, e nem tinha sotaque de nenhum dos dois estados que conheceu. Fiquei com
vergonha de meu sotaque meio caipira.
- Mais alguma
pergunta?
- Sim... posso
perguntar? Sou muito curiosa as vezes...
- Não é pra menos.
Continue.
- Bem, existem
súperos em outros países?
- Acho que eu ouvi
uma vez em algum lugar que existe uma escola em algum lugar na China, bem
isolada como a nossa. Lá estudam os súperos de outros países. A concentração de
súperos no Brasil é muito mais, digamos, gigantesca...
- Por quê? Porque
no Brasil existem mais súperos? Quantas escolas têm no Brasil além do IJS?
- Uma para cada
região... Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul. Cinco então. Lá fora
acho que tem só umas três ou duas.
- Mas por quê?! -
estava eufórica.
- Existe um outro
fator que facilita o aparecimento de superação quando um humano é exposto à
radiação. A miscigenação. Talvez o Brasil seja o país onde se encontra a maior
variedade de raças, a mistura pode ampliar o fator de adaptação do DNA humano
às diferentes situações, inclusive situações de exposição à radiação. Pode ser
a miscigenação que faz com que a radiação se torne uma coisa fantástica no
organismo de alguém, ao invés de uma coisa caótica. O reino vegetal e animal do
Brasil é muito diversificado...
- Existe superação
em plantas e animais?! - acho que parar fazer essa pergunta a Carlos, eu tinha
arqueado as sobrancelhas sem perceber. O olhar dele se divertia com minha
reação, por trás dos óculos.
- Por que a
surpresa diante disso? Depois de tudo o que você descobriu hoje, isso não
surpreenderia a mim. Principalmente quando se trata de reino animal. Também
somos do reino animal, não somos?
- Uau, você e
inteligente... - o elogiei. Estava fascinada com sua habilidade de explicação.
- Bom - justificava
ele meio sem graça - tive que estudar um pouco sobre os súperos antes de vir te
conhecer...
- Estudou em
livros?
- Não. Não existem
livros sobre súperos porque isso não pode ser divulgado ainda. Tudo que estou
te falando eu aprendi com os professores e com o diretor. Estão acompanhando o
que acontece com o mundo de tempos em tempos.
Já tinha passado
algumas horas desde que conheci Carlos, e eu fazia pergunta atrás de pergunta.
Bombardeei o menino com questões que eu achava incríveis de ocorrer na
realidade prática, e que já estava acontecendo a alguns anos. O que mais me
impressionou foi à explicação dele sobre a liga suprema. E isso acho que ele
não tinha falado para meus pais.
A Liga do Bem, um
grupo antigo de heróis - e que eu tinha certeza de que não eram normais - foram
exterminados pela liga suprema. Não foi noticiado, e todos acharam realmente
muito estranho que a Legião tivesse parado de agir de uma hora para outra. Até
eu, que era pequenininha na época, achei estranho. Está aí a explicação. A liga
suprema existia secretamente, claro, e eram odiadores da minoria - e isso
inclui, segundo Carlos, os judeus, os obesos, os negros, os homossexuais, os
deficientes, e os súperos, que também faziam parte da minoria. Terroristas mais
antigos talvez que os nazistas que pregavam a harmonia com base em extermínio
das coisas que para eles traziam o desequilíbrio. Pessoas diferentes, por
exemplo, faziam mal a sociedade. Mal sabiam eles que ao contrário do que
pensavam, e pensam, os diferentes é que fazem a sociedade evoluir. São os
diferentes os que mais pregam a paz humana. Uma falta de interpretação com base
em "pré" conceitos já trouxe milhões de mortes ao longo da história.
Os livros provam isso. Da história só gosto das partes que narram a opressão,
porque ela sempre aconteceu e todos andam e agem como se fosse uma coisa
distante, mas será viva essa diferenciação psicológica por muitas gerações.
Carlos me explicou
também que aprendera recentemente com o diretor o que poucos alunos podem
saber, porque até os súperos podem ter a mente perturbada com revelações do
qual ainda não estão preparados: os súperos são divididos em categorias, ou
melhor dizendo, ordens. De acordo com a modificação de seus poderes e com a
natureza desses poderes, os súperos podem ser de ordem física, ordem química e
ordem biológica. Havia também outra classificação, que dizia que os súperos
poderiam ser de tipo A, B, C e S, conforme seu nível de poder. "A"
para os mais fortes, "B" era um nível intermediário entre
"A" e "C", e C para os que tinham poder de pouca gravidade.
Os de tipo "S" eram tão poderosos quanto os de tipo "A",mas
seu poder era tão grande que eles não tinham controle total sobre ele, sendo
algumas vezes perigosos para si mesmos e para os outros seres vivos ao seu
redor.
- Qual das classificações está sendo mais
aceita? - perguntei a Carlos.
- Ainda estão sobre
estudo e supervisão de especialistas, portanto não tem exatidão ainda nessas
teses. Mas as duas teses fazem sentido...
- Se for comprovada
as duas, você se encaixa em qual das classificações?
- Segundo o diretor
eu seria um súpero de ordem biológica, por ter o meu poder manifestado de forma
biologicamente, e seria de tipo "A".
- "A"?
Sério?
- Se for
comprovado, eu seria um dos poucos, senão o único súpero de tipo A. Eu e um
outro súpero.
- Quem? - fiquei
curiosa pra caramba.
- Um que deu
trabalho para nós semestre passado, lá no colégio, e que desapareceu. Mas
prefiro não falar dele agora. Tenho coisa mais importante para dizer a você.
Percebi um nível de
frustração por parte da fisionomia dele. Quanto a esse assunto eu me quietei.
Diante disso só perguntei:
- Que coisa mais
importante? Tem ainda mais coisa para você me explicar? Quero dizer, não que eu
ache ruim...
- Eu sei - ele riu
da minha correção sem jeito - só preciso lhe explicar mais uma coisa. Mas antes
preciso de uma resposta direta. Você decide ir estudar no Instituto ou não?
Olhei para meus
pais, e então eles responderam por mim.
- Ela vai, Carlos -
meu pai respondeu - é claro que vamos sentir muitas saudades, mas é o ideal
para a segurança dela.
- Vão ficar bem sem
mim? Primeiro meu irmão sai de casa e agora isso...
- Não se preocupe
com isso filha - disse minha mãe - nos encontrará de novo.
Quando é para o bem
dos filhos os pais passam por qualquer coisa...
Vi Carlos se
encolhendo quando ouviu minha mãe. Deveria estar muito preocupado com seus
pais.
- Ok - começou ele
com um sorriso, arranhando a faringe com a respiração como alguém nervoso que
ia começar um discurso - fico feliz em receber você, aliás, todos nós ficamos.
Nesse momento
Carlos pegou uma mochila preta que eu só agora percebi que estava largada no
chão ao lado dos pés dele, pegou uma passa e ela tirou alguns papéis. Passou os
papéis aos meus pais e não me contive com a curiosidade.
- Papéis de
matrícula? De autorização?
- Não. Isso
implicaria em deixar alguma certificação a eles, e correria o risco de alguém
descobrir estes documentos. Além disso, o governo ainda não decidiu o que fazer
com os súperos, porque oficialmente eles não existem, e obviamente o ingresso
na escola depende da vontade do súperos e da família dele. Dei os papéis para
eles passarem para você depois. São os esquemas do colégio.
- Esquemas? Como
assim?
- A única coisa que
você vai ficar sabendo depois, quando eu te buscar depois que você já estiver
restaurada, será em qual dos primeiros anos você vai estudar. Tenho que
conferir com o diretor. Ele não resolveu isso ainda porque teria possibilidade
de você rejeitar o convite. Fora isso, nestes papéis está o horário de banho,
de aula, das refeições, dias em que alguém vai cortar o cabelo dos súperos,
mapa da propriedade do IJS...
- Entendi. Cortam
de muito em muito tempo?
- O quê? -
perguntou ele confuso.
- O cabelo...
- A respeito dos
cabelos dos alunos - respondia o garoto enquanto fechava o zíper da mochila - só
tenho conhecimento dos xampus, que lá sempre são colocados novos. Alguns têm
xampus e itens de higiene próprios, pois tem poderes relacionados com os
cabelos ou com a pele e etc. Eu não sei de muitas outras coisas sobre cortes porque
nunca nem vi quem corta o cabelo dos alunos.
- Por quê? - notei
que o cabelo dele era volumoso e bonito, uma cor preta que brilhava sob a luz
da sala.
- Nunca cortei o
cabelo na minha vida.
Essa até meus pais
se assustaram.
- Como assim?!
- Meu cabelo nunca
cresceu muito, só até esse tamanho. As unhas também. Depois que parou de
crescer meus pais se preocuparam, mas nunca descobriram o porquê disso. Aí um
dia por curiosidade tentei agarrar um de meus fios e cortar com uma tesoura.
Não deu certo...
- O que aconteceu?
- Acho que até meus
pelos são indestrutíveis... apesar de ter aparência de cabelo normal, que se
penteia e tudo, já tentei de tudo naquele dia para cortar um fio que seja.
Entortei a tesoura inteira e não consegui. Quando pus muita força, na segunda
tesoura que encontrei, o parafuso que unia as lâminas pulou fora da tesoura.
Tivemos que comprar tesouras novas.
- Uau! - fique impressionada
com a resistência - então você só o lava?
- Sim. Ele se dobra
como qualquer outro fio de cabelo, mas é mais fácil cortar arame que cortar meu
cabelo, apesar dele ser bem maleável. Bem - e então ele se levantou - eu já vou
indo.
- Já? - o achei
sinistro, mas ao mesmo tempo muito legal.
- Tenho que dar a
resposta para o diretor. Segunda-feira eu te busco. Você terá alta hoje, poderá
se preparar. Dei nos papéis - disse ele apontando para os documentos na mão de
meus pais - a localização do ponto de ônibus. Geralmente vai para o colégio de
avião, mas sua casa é bem perto do IJS. Semestre passado houve uma confusão
danada, e os alunos tiveram que ir para São Paulo pegar o avião que levava para
o Instituto.
- Por quê?
- Certa pessoa
causou um caos aéreo, mas isso é outro assunto. Ainda bem que virou coisa do
passado.
Carlos estendeu a
mão para mim. Nem vi quando tinha se aproximado. O cara era muito rápido.
- Espero você lá,
Yasmin - disse ele enquanto eu apertava sua mão. Ele fez questão de não
apertar. Se apertasse eu ia ter a mão quebrada. Acho que quanto mais forte a
pessoa é, mais cuidado ela deve ter com sua força, para não ferir os outros que
são menos fortes ao seu redor. Percebi isso ao conhecê-lo.
- Estarei -
respondi.
Carlos partiu.
Houve um silêncio no meu quarto depois que ele se despediu de meus pais e nos
deixou.
- Vai ficar tudo
bem Yasmin - assegurou meu pai.
- Eu sei -
respondi.
Quando recebi alta
e cheguei em casa tive receio de acordar do sonho, mas fui para a cama e
acordei lembrando que nem ia sentir falta dos agora antigos "coleginhas"
de sala. Lembrei-me disso quando minha mãe colocou uma mala de viagem verde
escura no sofá de casa, uma que eu não vi há séculos, mas que estava bem
conservada. Parecia que não tinha envelhecido nenhum dia.
- Vai levar seus
pôsteres de rock? - perguntou minha mãe a mim.
- Melhor não. Pelo
que vi nos papéis tem um dormitório, e nele há muitas meninas. Podem não gostar
de pôsteres, ainda mais de rock. E vocês sempre se esquecem de que eu não curto
mais rock. Aceitei Jesus.
Foi aí que percebi
que na verdade estávamos a um dia de nos despedirmos, eu e meus pais. O
intervalo de tempo entre a minha alta e os dias que restavam para eu me
preparar para ir ao IJS foi grande, mas passou com uma velocidade sem igual.
- Vão ficar bem
mesmo?
- Vamos - respondeu
meu pai pela milionésima vez - com muita saudade, mas vamos.
Nossa despedida foi
estranha. Todos queriam chorar, mas ninguém se manifestou. Parecia que em
segundos minha vida tinha virado de cabeça para baixo. Eu sei que Carlos estava
sendo gentil, que ele e seus amigos queriam me proteger, mas havia uma grande
possibilidade de ser tudo um engano. Minha recuperação tinha sido fenomenal,
mas era praticamente impossível eu ser especial. Nunca fui uma menina
problemática, mas também nunca fui santa. Tinha notas na média e ouvia rock no
meu quarto isolada do mundo até desistir dele; era difícil acreditar que eu era
especial de alguma forma.
Provavelmente eu seria
só mais uma pessoa na multidão, então logo eu estaria de volta para casa;
quando eles perceberem o engano que cometeram, pensei eu, me enviarão de volta.
É, era isso que ia acontecer.
Saí de casa como se
fosse para a escola, me despedi de meus pais com um aperto no coração, daqueles
que os rockeiros sentem, mas não admitem sentir. Uma coisa tão contraída que eu
nem sei explicar, ou até mesmo encontrar. Eram cinco da madrugada. Num dos
papéis dizia para eu ir sozinha, para não levantar suspeita. Quando cheguei ao
local indicado, uns quinze minutos mais cedo, tive vontade de chorar. E chorei.
O frio da madrugada me alertou que meu rosto estava molhado no meio da
escuridão do matagal na beira da estrada onde eu estava agora.
Só levei uma mala,
com roupas e outras coisinhas, porque em outro dos papéis dizia que lá eles
forneciam o material escolar. Tive vontade de gritar um palavrão bem alto, e só
não fiz isso porque ofenderia a Deus, e iria acordar o pessoal que dormia nas
redondezas. Não estava numa avenida muito movimentada, mas também não era tão
isolada assim. Estava olhando para uma foto que meus pais me deram, meio
antiga, em que aparecíamos nós e meu irmão. Fitei a foto e olhei para o vazio
durante uns minutos, como sempre faço quando filosófo, e então um barulho me
assustou. Era barulho de pneus esmagando a terra q fora jogada para o lado de
dentro da estrada. Um ônibus grande e elegante estava diante de mim, e seu
motor era inaudível. Como estava escuro eu não vi o que estava pintado nas
paredes do ônibus, só percebi que nenhuma das janelas estavam abertas e todas
eram pretas. A porta lateral do ônibus se abrira quando refleti sobre isso.
Dela saiu uma pessoa conhecida, que me chamou atenção.
- Está aí a muito
tempo? - Carlos perguntou a mim preocupada enquanto eu me levantava.
- Não, tenho o
costume de chegar mais cedo nos lugares, só para não correr o risco de me
atrasar - respondi secando as lágrimas sutilmente enquanto ele pegava minha
mala.
- Está pronta? - a
faixa prateada era inseparável dele.
- Isso tudo é para
mim? - disse apontando para o ônibus.
- Com certeza.
Vamos.
Entramos no ônibus,
e vi que as janelas do lado de dentro eram pretas também, ou seja, quem poderia
ver para onde ia era só o motorista. Assim que entrei a porta automática se
fechou.
- Você vai ficar na
minha sala mesmo - disse Carlos feliz enquanto colocava minha mala na parte de
cima do ônibus com se ela fosse feita de papel. Me sentei e a tristeza sumiu de
mim por um instante.
- Legal.
- Boa sorte
Yasmin...
Olhei para ele. Era
realmente alguém com que se poderia ter uma amizade para toda a vida.
- Você tem sido
muito gentil comigo Carlos. Obrigada. Sério mesmo...
- Consigo ver o que
você sente, porque já passei por isso. Meio sem rumo, meio só. Com poucas
pessoas que conseguem compreender o que você pensa realmente.
- Todos se sentem
assim às vezes - justifiquei.
- Eu me sinto assim
praticamente todos os dias. Até mesmo antes de vir para o IJS.
- Sério? Por quê? -
agora o ônibus já estava em movimento. A elegância do transporte era
inacreditável.
- Não sei direito.
- Você não tem
muitos amigos no IJS?
- Tenho alguns. Sou
meio tímido em abordar pessoas para conversar. Mas estou me superando aos
poucos. Dei mais um passo ao conhecer você...
E rapidamente me
lembrei da forma com que ele me explicou tudo, naquele dia no hospital.
Só agora tinha
percebido, com mais detalhes, o quanto o ônibus era luxuoso. Aquilo tudo enchia
os olhos; as poltronas, o ar condicionado, a cafeteira no fundo do ônibus, a
alguns metros do banheiro super higiênico. Porém, nada daquilo me fez confortável
como Carlos me fizera.
- Você é diferente
de todos os garotos que conheci.
- Como assim? -
perguntou ele surpreso.
- Em geral conheço mais
moleques que garotos. Os caras súperos são assim como você?
- Só temos os
poderes Yasmin, somos humanos do mesmo jeito.
- Às vezes me sinto
muito diferente. Não como uma humana, sei lá. Os humanos são perigosos. Acho
que já estava no meu destino me tornar súpero...
- Talvez. Mas
sempre nos sentimos assim. Existem muitos "moleques" no IJS também –
e ele fez as aspas com os dedos ossudos no ar quando disse essa palavra - A questão é que quando se nasce diferente, às
vezes é impossível mudar certas coisas.
- De certa forma
somos iguais nisso...
- Em que sentido -
perguntou Carlos curioso.
- Sempre soube que
era diferente. Nunca tentei me mudar porque, de certa forma, era difícil
demais...
- Fez a coisa certa
então - assegurou ele enquanto eu soltava um longo bocejo, então ele continuou
- agora é melhor dormir.
- Como?
- Você acordou de
madrugada. Está sonolenta demais para questões filosóficas. Durma um pouco.
Temos dois anos e meio inteiros para conversar.
Conformada concordei,
estava com muito sono. Procurei inocentemente alguma alavanca para deitar a
poltrona em que eu estava sentada, então Carlos num rápido gesto apertou um
botão ao lado da cadeira e ela facilmente deslizou num barulho elétrico. Sorri
para ele e me virei, colocando as mãos sob o rosto. Acidentalmente adormeci.
Tive mais um
daqueles sonhos onde você não se lembra do que sonhou. Parece até que eu sonhei
com uma tela preta, porque tudo que eu consigo me lembrar era de um vazio, mas
que já era alguma coisa. Pelo menos a sensação de sono tinha acabado quando
Carlos me acordou. Talvez fosse efeito colateral de ansiedade. Tive uma
imediata insônia quando acordei.
- Que horas são? -
perguntei.
- Hora de agir.
Prefere descansar? Acho que o diretor deixou você de folga hoje...
- Por quê? Eu quero
conhecer os outros... e os professores...
- Sério? -
perguntava Carlos surpreso enquanto pegava minha mala - Legal. Seu nome já está
no mapa de sala. Interessante, semestre passado não tinha mapa de sala. Tanta coisa
aconteceu no semestre passado...
Saímos do ônibus e
vi que havia um símbolo triangular desenhado na lateral dele, algo que não
consegui ver horas atrás quando ainda era de madrugada. O sol brilhava
iluminando o enorme prédio. Nunca pensei que o colégio fosse tão grande. Depois
que adentrei o colégio por um portão que levava à lateral de uma quadra de
esportes enorme, Carlos me falava do jardim, ao fundo da escola. Foi então que
percebi que muitos alunos do IJS estavam chegando de outro canto da propriedade
com malas.
- Pensei que fossem
poucos os alunos novatos nesse semestre.
- E são - confirmou
Carlos - eles estão indo viajar. Vão passar as férias no Rio de Janeiro.
- Sério? Quantos vão
lá?
- De alunos, acho
que a escola inteira, e alguns professores. Por isso falei para você agir. Vai
viajar mais ainda agora. E vai de avião. O pessoal vai me dizer como foi lá.
- Como assim o
pessoal vai te avisar? - assim que perguntei ele sorriu. Agora adentrávamos o
prédio. Os corredores estavam lotados de alunos perdidos com os horários. Do
meu lado ouvi alguns dizendo que o vôo estava atrasando. Foi quando Carlos me
respondeu algo que me fez corar.
- Eu nem mesmo vou.
Mas você vai. Não se preocupe comigo. Não há números. Só resultados. Só quando
ficamos sem internet é que percebemos os outros recursos do computador.
Capítulo Três
Insônia
Um mês se passou e
eu não tinha entendido muita coisa da minha última conversa com Carlos. É como
um livro que vi ele lendo: “Proposito Fenomeno X
Proposito Acusati”, antes de ir sair de férias com os outros.
Parecia algo bastante filosófico e tudo, mas enfim. Vi ele lendo um outro livro
chamado “Ruínas”, e ele disse que era mais complexo que o primeiro. Não
entendia o garoto.
Eu voltei e não
tinha visto Carlos desde o retorno do belíssimo Rio de Janeiro. Lembrei disso
no dormitório. O quarto estava escuro como o passado. Desde que voltei de
viagem do Rio estava encantada a cada segundo do presente. No passado só me lembrava
dos meus pais e do Cristo Redentor.
Mas sobre acordar,
não que fosse a hora, muito pelo contrário na verdade. O quarto estava sendo
iluminado, mas não pelo sol, como deveria ser quando acordamos assim que o sono
some, mas pela lua. Ela iluminava o cômodo grande demais para ser um quarto, mesmo
sendo um dormitório, e ainda por cima feminino. Metade das meninas babava no
travesseiro de tanto dormir, cochilavam serenamente sob a luz da lua cheia, e
eu que estava no escuro me encontrava mais acesa do que a própria lua. Desde a
viagem do Rio eu não dormia direito. Deveria, já que foi maravilhosa, tirando a
gritaria da professora de Redação, constantemente e falivelmente tentando por
ordem na classe enquanto andávamos nas areias da praia. Ainda posso sentir o
gosto salgado da brisa que vinha do mar.
Mas isso foi
antes. Antes de eu resolver não dormir. Era a única explicação, porque uma
dorminhoca não perde o sono, a não ser que sua cabeça resolva fazer isso. Eu
sabia que não adiantaria nada, mas comecei a observar o quarto; as plaquetas
pregadas em cada cama de cada beliche, indicando de qual garota seria tal cama,
a minha própria plaqueta escrita em letras reluzentes “YASMIN”, a passagem de
avião do IJS que eu guardara de lembrança assim que fui para as férias, saí do
meu mundinho e vim para cá. Não adiantou. Continuei sem sono.
Comecei a me
lembrar; eu era a estranha da minha classe. A aberração. A diferente. E agora
nas férias após um imprevisto com mariposas no hotel eu descobri que não, não
estava lá por acidente. Eu era a menina que conseguia se comunicar com insetos.
No IJS, agora eu era só mais uma. Só mais uma diferente. E era só mais uma que
tinha poderes, e pelo menos isso me tranqüilizava.
E quanto mais eu
pensava, mais ficava sem sono. Então cometi um erro mais grave ainda, pior do
que não ficar na cama; fui a pia do banheiro e joguei uma água na cara. É
impressionante como fazemos coisas erradas quando pensamos em muita coisa ao
mesmo tempo. Distraída eu fui lá e fiz essa droga toda. Pronto, agora é que eu
não tinha a menor vontade de dormir, nem mesmo de voltar para a cama.
Diante de tudo
isso resolvi ir a sala; poderia assistir televisão, isso às vezes me ajuda a
dormir. Ao ir vi minha melhor amiga até agora dormindo. Rikelly dormia como se
tivesse tomado um sonífero. A menina de pele café com leite, cabelo modificado
e alargador na orelha eram uma das poucas que me entendiam, apesar de eu nunca
admitir que eu fosse punk como ela. Conversamos nas férias sobre tudo, mas
principalmente fotografia, que era o que mais gostávamos. Era muito legal ter
Rikellly por perto.
Mas enfim, eu
estava me dirigindo para a sala até que senti com o meu poder uma borboleta que
ficara presa e estava voando perdida pela sala. Foi então quando uma voz disse
a mim – e eu estava tão apavorada com a borboleta que também não tinha
percebido que a tv estava ligada.
- Eu não a matei
por você – disse baixo uma moça loira de olhos azuis sentada de frente para a
televisão – na verdade, deixei de matar insetos desde que fiquei sabendo que
você se comunica com eles.
- É verdade –
sussurrei abrindo uma das janelas laterais da sala vagarosamente para não fazer
barulho aos que estavam dormindo e tentando dizer á borboleta que aquele era o
caminho para fora, e rapidamente ela me obedeceu – qual é seu nome?
- Taciane – só
agora eu tinha percebido que essa era aquela loirinha magra de mecha vermelha
que sempre via nas férias e nunca tinha conversado.
- A Rikelly te
contou meu poder?
- Contou, mas não
a culpe por isso... ela meio que disse sem querer que você passou a aceitar
mais os insetos depois de descobrir seu poder. Você os odiava.
- É, também é
verdade. Estou começando a aceitar joaninhas. É tão estranho tudo isso, quer
dizer – desabafei algo que estava preso – eu nem sei direito como meu cérebro
funciona para... sei lá...
- Quase nunca
sabemos ao certo – percebi agora que ela estava vidrada na tela da televisão,
mas falava comigo normalmente – ta sem sono?
- É... e você?
- Eu não durmo.
Fitei-a por um
segundo. Achei inacreditável e quis confirmar com outra pergunta.
- Nunca?
- Em hipótese
alguma. Meu corpo tem eletricidade estática demais fabricada e armazenada pelo
meu coração, eu acho. Nunca tenho sono.
- Ah, legal... só
que no meu caso é insônia mesmo.
- Bom Yasmin, é
Yasmin né? – Ela me perguntou e eu assenti com a cabeça enquanto espiava com a
cabeça o que ela estava assistindo – Não é a única pessoa hoje a ter insônia. E
não falo de mim.
- De quem fala? –
perguntei curiosa
- Carlos. Na
verdade faz já um tempão que ele não está dormindo direito. Desde o episódio
com o Número Um.
- Quem?
- O clone dele,
sabe...
- Ah sim – nas
férias inevitavelmente já tinha ouvido falar do assunto do momento: Carlos,
como ele encontrou seu clone, de como esse clone havia prejudicado seus amigos
e de como os seus próprios amigos o ajudaram, mas não tinha gravado o nome
dele. E também não me lembrava direito o que era a tal “chave elemental”.
- Estranho né? Nem
nome ele tem direito...
- O que aconteceu
depois? – perguntei a ela a parte da história que não tinha ouvido, sem me
preocupar se ela dava mais atenção a mim ou a tv.
- O cara fugiu.
Carlos deve estar sem dormir de preocupação. Mas também, não é pra menos né...
- É – comecei a me
colocar no lugar do garoto – onde ele está agora? O Carlos...
- Lá fora – disse
ela apontando para a porta aberta da sala com o polegar direito enquanto eu
bocejava. Já devia ter bocejado umas três vezes nesse meio tempo, mas ela nem
ficava com o olhar mole – eu converso com ele algumas vezes nesse horário, mas
na maioria das vezes tenho receio de interromper seus pensamentos.
- Entendi. Vou
tentar falar com ele.
- Ok.
E então eu fui. Já
não tinha sono, aproveitei e fui conversar com um dos poucos com quem tive a
sorte de trocar um “olá” na sala. Nem imaginava que aconteceria essa guinada em
minha vida, pois conheci uma das pessoas mais fascinantes. Não imaginava o
quanto Carlos mudaria meus pensamentos. Bons e ruins.
O garoto estava
encostado no vidral colorido em forma de mosaico, observando o céu e tudo o que
a lua gentilmente iluminava em um dos pedaços transparentes da janela
artística. Não tinha fisionomia de sono, o que significava que poderíamos
conversar sem eu me sentir mal educada ou impertinente de alguma forma.
E foi então que
percebi: pela primeira vez o vi melhor. Era um garoto bem magro, bem alto,
usava óculos com armação preta e cintilante e tinha o cabelo meio bagunçado. Na
maioria das vezes usava camiseta branca e calça escura, geralmente de alguma
cor suja, mas não era sempre, variava seu visual. O all-star branco se
destacava por debaixo do tecido da calça comprida escura, e vi a ponta do que
seria um relógio bonito escapando de um dos bolsos direitos. Não tinha nenhum
traço de barba e bigode.
- Carlos? – O
chamei cuidadosamente para não assusta-lo. Estava com o olhar parado, perdido
entre seus pensamentos.
- Olá – ele me
respondeu meio tímido – meio tarde, não?
- Estou sem sono –
respondi justificando.
- Quer saber
alguma coisa?
- Como? –
perguntei confusa me aproximando. Sentei na mureta abaixo do vidral,
imitando-o. Consegui com muita prazerosa dificuldade ver uma parte do jardim da
escola, na parte traseira da propriedade.
- Ultimamente o
pessoal tem feito muitas perguntas. Faz algum tempo que não conversam comigo
sobre algo que não seja a respeito do Número Um ou da chave elemental.
- Isso o
desagrada? – perguntei, morrendo de curiosidade sobre a tal chave que ele havia
mencionado.
- Não... é até
bom, agora quase todos conversam comigo. Antes conversava com poucas pessoas.
- Você era tímido?
- Ainda sou – ele
admitiu de cabeça baixa, e percebi que ele tinha vergonha de me olhar nos olhos
– os outros é que não são, e os que são a venceram pela curiosidade.
- Sei.
- Já sabe a
história toda? Pode perguntar se quiser...
- Bem, não sei
muito sobre a chave – admiti.
- A chave
elemental pode aumentar os poderes de um súpero ou fazer com que ele tenha
qualquer poder de qualquer súpero que se tenha em mente – ele disse muito
rápido e perfeito, provavelmente tinha decorado – só que não sei usa-la
direito. Número Um deu a entender que eu poderia controlá-la. Estou sendo chato
demais?
- Naum – às vezes
meu “não” era diferente – você sempre se expressou bem. E tem a barba bem feita
também.
Me lembrei de
Eduardo e sua barba rala porém persistente começando a crescer.
- Mesmo problema
dos cabelos. Não cresce. Assim como as unhas. Em compensação sempre fui
crescidinho...
- Isso é bem
visível – concordei – e seu poder... é incrível. Não só o vi aquele dia no
hospital como ouvi muito dele através do pessoal da sala.
- Obrigado... e
você? Descobriu seu poder?
- Nada
interessante – respondi com vergonha – eu meio que me comunico com os
insetos...
Ele sorriu.
- Existe um poder
determinado para cada um de nós. Deve se contentar com o que tem.
- É verdade – na
real, eu nunca tinha pensado nessa possibilidade até o dia em que ele me disse
isso.
- Você toma banho
cedo...
- É – respondi –
meu horário de banho é o primeiro do das garotas. Incrível como o IJS é
organizado, até nos horários da lavanderia, e mais incrível ainda como eu dei
azar de pegar o período da manhã para tomar banho.
- Hum – e então
ele ficou pensativo, depois respondeu – acho o cálculo da média meio sofrido.
Não gosto de trabalhos em grupo.
- Nem eu –
correspondi na fuga de assunto - 10 mais 10. 5 pontos distribuídos para as tarefas,
mas que acabam sendo quase todas despejadas nos trabalhos em grupo, 5 pontos
para os testes e 10 das provas finais. Somar tudo e dividir por dois parece
maravilhoso na teoria, mas na prática...
- Desculpe eu
estar falando assim com você.
- Assim como?
- não sou muito
bom em diálogos, quero dizer, fico com medo de conversar com as pessoas e de
repente fico sem assunto, e esse medo faz com que eu fique sem assunto mesmo.
- Normal – o
tranqüilizei – eu também sou assim.
- É por isso que
fico tentando puxar assunto, na maioria das vezes sem sucesso.
- Entendi.
E então, mais uma
vez, o silencia reinou entre nós. Só o que se ouvia era a tv sussurrando ao
longe; Taciane com o volume baixo para não acordar os outros. Foi aí que senti
uma forte saudade de casa.
- Lembra do caos
aéreo que te falei? – Carlos tentou arriscar me chamar atenção em meio aos meus
pensamentos melancólicos de saudade.
- Sim, por quê?
- Foi ele. O
Número Um me disse que foi o responsável pelo caos aéreo.
- Por que ele fez
aquilo?
- Para eu vir para
cá. Às vezes acho que sonho com o que ele diz, ou disse para mim. Por isso não
gosto de falar muito dele. Nem sei direito o que ele disse realmente e o que
veio da minha imaginação... nas poucas vezes que sonho eu vejo hipóteses se
ligando à minha mente.
- Como por exemplo?
- Como por exemplo
– e ele alongou muito as palavras para melhor pensar numa resposta adequada –
ele quis que eu viesse para cá talvez porque longe da minha família eu ficaria
mais fraco. Mas fiz dos meus amigos uma família.
- Tem muitos
amigos?
- Não. Eles são
poucos. Mas são de qualidade. É muito precioso um círculo de amizades como o
que eu estou inserido. É como uma religião, como se Deus tivesse os enviado
para mim. Consigo ver Deus em cada um deles; em cada qualidade.
- Interessante.
- O quê? – ele
voltou a olhar para mim depois de muito tempo.
- A sua visão de
Deus é essa?
- Através da emoção
sim.
- E através de que
mais você o vê? – eu estava cada vez mais curiosa com relação ao que o garoto
dizia.
- Da razão.
- E o que é Deus
através da razão para você? – estava gaguejando e falhando ao dizer essas
palavras com tanto cuidado. Queria falar corretamente como Carlos falava, e
acabava tropeçando nos termos que eu quase nunca usava só para ficar ao mesmo
nível de vocabulário que ele.
- O ser ou a ser
suprema.
- A ser? –
estranhei.
- É difícil dizer o
que penso. Minhas teorias. Às vezes vejo Deus mais como mãe do que como pai.
- Por quê?
- Mães são mais
compreensíveis. É nelas que sempre pensamos quando fazemos algo de errado. Vejo
Deus como uma transição entre energia e matéria. Ele está em tudo, mas nada
está nele. Não deveria estar te falando essas coisas...
- Por que diz isso?
- Pode ser que você
me ache estranho demais...
- Relaxa, eu também
sou estranha – respondi sorrindo e continuei, já não me preocupando com o sono
– você tem religião Carlos?
- Não. Não acredito
nelas.
- Por quê?
- Elas mais dividem
do que juntam. Eu sou bem racional quanto às coisas que acho que fazem bem a
mim e ao mundo.
- Você só acredita
em Deus então...
- E no espiritismo.
Tentei reformular o
pensamento franzindo a testa, para continuar a conversa.
- Mas não acabou de
dizer que não acreditava em religião?
- E não acredito –
ele insistiu timidamente.
- Mas é espírita?
- Sou.
- Então de alguma
forma você é religioso...
Ele me olhou por um
momento, depois sorriu e prosseguiu.
- O espiritismo não
é religião.
- Não? – realmente me surpreendi – E o que é
então?
- É uma doutrina. A
única que explica o que o homem que saber realmente. Revela cientificamente o
“sobrenatural” inventado pelo homem.
- Como assim
“inventado”? Não é isso que o espiritismo propõe? Que o sobrenatural existe?
- Há um mal
entendido. Não existe nada sobrenatural. É difícil explicar a você, digo, a
alguém que não conhece o espiritismo, mas o que posso dizer é que o mundo dos
espíritos é muito mais natural que o nosso. É o único em que há lógica
científica, ao contrário do nosso – e ele disse “nosso” apontando para o chão –
que pode deixar de existir a qualquer momento, por um terremoto, tsunami ou até
mesmo em conseqüência de má administração política que venha gerar conflitos,
guerras e extermínio. Nesta ordem.
O garoto tinha uma
velocidade de pensamento impressionante. Tinha a mente mais astuta que eu já
havia conhecido.
- Não há hipocrisia
política no mundo espiritual?
- Há, mas só entre
os de classe baixa de moralidade. Yasmin – ele começou a dizer com cuidado –
você tem religião?
- Tenho...
- Eu não gosto –
ele me interrompeu antes que eu dissesse a que religião eu pertencia – de
conversar sobre tudo o que falamos.
- Mas por que não?
É interessante.
- Eu sei, mas mesmo
assim você poderia me interpretar mal por inúmeros motivos. Poderia dizer que
sou um orador, quando na verdade eu só leio e investigo o que quero saber. Eu
estou em busca da verdade, assim como o homem sempre esteve, e talvez sair da
“rotina” pode assustar quem não está acostumado. As pessoas não podem saber de
tudo de uma hora para outra, ou então só haveria loucos. Não estão preparadas
para sair de sua zona de conforto.
- Eu te entendo,
mas não é fácil me convencer – eu o alertei – se estou gostando do que você
fala é só porque quero saber suas idéias sobre tudo, mesmo que eu não vá
acreditar nelas...
- Carlos permaneceu
calado. Realmente eu percebi que ele não tinha mais ousadia para prosseguir,
mesmo sabendo que eu era toda ouvidos e sabendo que eu sabia que ele era uma
literatura ambulante.
- Ousadia.
- O quê? – ele me
perguntou assustado.
- Seja ousado para
passar as pessoas o conhecimento que você tem. Pode ajudar e muito.
- Eu sei, “aprenda
a falar direito ou ninguém vai querer ouvir você”, mas eu ainda não sei falar
direito e me comportar assim para iluminar alguém com a luz da razão, porque...
e se elas não quiserem ser ajudadas?
- Isso é diferente.
- Vamos mudar de
assunto?
Foi um convite. Ele
ficou receoso de me dizer tudo o que sabia.
- Ok – assenti
aborrecida – e sobre o que vamos conversar?
Ficou mergulhado
em um longo silêncio, buscando algo para dizer. Então arrisquei.
- Por que não foi
para o Rio com a galera?
- Podia ser
perigoso – ele me respondeu – acho que o Número Um que a mim e a chave, não
podia arriscar a vida dos meus amigos viajando com eles. Pedi então ao diretor
para não viajar, me justifiquei e ele com uma certa tristeza concordou comigo.
- Se lembra do
clone dizer claramente que está atrás de você e da chave?
- Nem sei. É como
eu disse, às vezes me perco entre lembranças que acho que ocorreram e apenas
impressões minhas. Gostaria de saber qual é o limite de armazenamento de
informações que a mente humana tem. Confundo muito minhas lembranças com impressões,
então ironicamente falando, pode ser impressão minha, mas lembranças podem não
ser todas confiáveis, assim como as pessoas.Sempre me lembro disso quando tiro
uma nota baixa depois de estudar uma tarde inteira. Acho que é porque pego os
livros pra estudar em cima da hora. Acho que o aprendizado é apenas memória.
Nós lembramos das coisas que aprendemos. Qualquer um pode ter memória
fotográfica. É só condicionar.
- Entendo o que
quer dizer.
Carlos podia passar
cola, mas não era o tipo de garoto que colava em provas.
- Carlos –
continuei – até agora só conversamos sobre coisas que de certa forma é obrigado
a fazer. O que gosta de fazer para se divertir?
- Bem – retrucou
ele depois de uma breve parada reflexiva – não sou muito fã de festas, por
exemplo. Tenho planos para diversão, mas é quando eu tiver recurso para eu me
divertir. Sempre gostei muito de ler, principalmente sobre estudos a respeito
de como funcionam as coisas, na sua essência, como filosofia, que é a origem de
todas as ciências que existem e que ainda existirão. Gosto muito de música e de
tecnologia, e não ligo muito para moda ou luxo. Então quando ganhar dinheiro eu
vou gastar o que tiver sobrado dos investimentos de sobrevivência, como comida
e moradia, com informática, livros e CD’s. As roupas que quero ter serão
bonitas, mas não muito caras. Acho desperdício gastar em uma calça o que
poderia ser gasto em coisas como literatura, por exemplo.
- Sei. E enquanto a
namoro?
Ele olhou para mim
assustado.
- O que tem? – me
respondeu olhando para baixo.
- Bom, é uma
diversão também, não é? Digo, lazer...
- Não tenho dado
muita sorte com as moças ultimamente, mas ainda estou confiante – ele me
respondeu com uma voz bastante abafada e quase que inaudível – acho que é
porque não sou como os garotos populares que praticam futebol ou gostam de
música eletrônica.
- Isso eu percebi –
disse – mas não se preocupe com isso. Existem vários tipos de moças. Alguém vai
gostar das coisas que você gosta...
- E gostar de mim –
ele disse isso num tom bastante melancólico.
- Claro, e gostar
de você – repeti completando.
Depois de um longo
intervalo de tempo eu iria dizer a ele que se eu não fosse me deitar, nem eu e
nem ele íamos dormir. Mas Carlos me disse algo antes de eu dizer isso a ele,
interrompendo meus pensamentos.
- Você tem irmãos
Yasmin?
- Tenho um irmão –
respondi – mas não é súpero. Ficou pra trás.
- Tenho que achar o
meu. O Número um disse que não tinha o achado. Ainda tenho mais isso com o que
me preocupar...
- Sua cabeça anda
bem ocupada hein? –perguntei séria.
- Sempre – ele
respondeu com a mesma seriedade com que a pergunta foi proferida – ainda mais
agora que tenho fitado a sala mais atentamente.
- O que quer dizer?
– perguntei curiosa.
- Acho que estou
gostando de uma garota.
- Sério? Da nossa
sala? – perguntei animada e ele fez que sim com a cabeça. Fique com vergonha de
perguntar quem era, porque era algo do qual ele provavelmente não queria dizer.
– Posso ajudar se quiser. Algum conselho para conquistas, sabe. Comece nunca
dizendo a ela que gosta dela assim. Pode apavorá-la.
- Obrigado – ele
disse sorrindo tristemente.
- Bom – prossegui
no que ia dizendo antes – talvez você não acredite em perdão, só em desculpas,
mas eu tenho que me deitar. Senão amanhã vou ser uma sonâmbula a tarde inteira
zumbizando por aí...
- Por que eu não
acreditaria em perdão? – ele me perguntou confuso.
- Sei lá. Tem
pessoas que, tipo, acredita que só quem perdoa é Deus...
- Isso é uma
desculpa.
- Como? – perguntei
confusa pela trocentésima vez.
- Jesus nos ensina
que só seremos mais felizes quando aprendermos a perdoar. Quem diz que só
consegue “desculpar”, e que quem “perdoa” é só Deus, na verdade arranjou uma
desculpa para não perdoar as pessoas. É uma mentira causada pela incapacidade
que as pessoas tem para aceitar que o agressor errou. Incapacidade essa causada
pelo orgulho, pois se acham melhores do que os que erram.
- Uau.
- O quê? –
perguntou ele vermelho com um sorriso sem graça.
- Isso foi bem
profundo. Bom, quero conversar mais com você, óbvio, mas agora tenho que ir dormir – enquanto disse eu dei uma pausa e
soltei um bocejo enorme – desculpe.
- Por esse e pelos
outros.
- Outros? –
perguntei enquanto tinha me levantado e estava a caminho do 1ºC
- Você abriu a boca
de sono umas cinco vezes desde que começamos a conversar.
- Sério? Nem
percebi – e não tinha percebido mesmo, fique envergonhada – pelos outros também
então.
- Tudo bem. Normal.
Até amanhã – disse ele sorrindo enquanto eu entrava no 1ºC.
- Até amanhã –
respondi por fim.
Taciane ainda
assistia TV.
- Já conversou com
o Carlos antes? – perguntei curiosa.
- Não muito – ela
admitiu – ele é bem tímido.
- Finja que é tímida.
Acho que só consegui falar com ele o quanto eu falei porque sou tímida com ele.
Acho que foi só entender como ele se sente, pelo menos um pouco.
- Por que perguntou
se eu já tinha conversado com ele? A conversa foi agradável?
E antes de entrar
no dormitório respondi:
- Melhor
impossível. E olha que só o conheço a sessenta minutos.
Tínhamos conversado
por meia hora. Conferi no despertador da sala.
Capítulo Quatro
Duplas
Eu realmente não
tinha acreditado em alguma e outra coisa que Carlos tinha me dito, e nem a
Rikelly, visto que falava muito sobre a Bíblia, mas tínhamos que admitir que
Carlos tivesse conclusões bem interessantes sobre o mundo. No dia seguinte
contei as “poucas” coisas que conversei com Carlos a minha melhor amiga –
embora quase não tivesse tempo de conversar com ela – e vi que ela parecia
relutante e confusa sobre algumas partes.
- E ele leu muito a
Bíblia Sagrada? – Rikelly me perguntava.
- Parece que ele lê
de tudo... tive a clara impressão de que ele pesquisou muito bem para seguir
alguma crença – expliquei a ela.
- Ele me parece ser
uma pessoa bem legal, apesar de acreditar em coisas que eu não vejo muita razão
em acreditar. Acho que vale a pena falar com ele. Ainda terão oportunidades, aí
vou fazer isso – ela prometia a mim e a si mesma.
No dia que se
seguiu, quando todos acordaram para mais um dia letivo, eu vi Carlos no canto
da sala. Timidamente – para variar – ele acenou a mim. Parecia bastante feliz
em me rever. Não tinha nenhum sinal de possível sono em seu olhar ou na sua
face, ao contrário do meu, que logo percebi qual a razão de não lembrar toda a
conversa para repassar para Rikelly um dia antes. Normalmente eu parecia ter
cafeína no sangue, mas de uns dias para frente meu corpo tinha a sensação de
ser feito de sonífero até nos ossos.
Eu conhecia somente
vinte por cento das pessoas da sala, contando com Carlos. Dos que eu conhecia,
só metade tinha descoberto que poderes eles realmente tinham. Isso me intimidava,
porque a sala era enorme.
Estudavam 47 alunos
no 1ºC, 47 mentes que funcionavam cada um de um jeito, 47 poderes diferentes
que possivelmente causariam ou não um grande estrago no mundo,A sala lotada de
súperos sempre dava a impressão de que algo eminentemente ruim ia acontecer,
porque não achava uma boa idéia tanta gente habilitadamente paranormal junta no
mesmo lugar.
Logo depois das
três primeiras aulas, no horário de almoço, Rikelly me apresentou alguém que
tinha tido o azar de ser parente de um dos professores. Danielle nem era da
nossa sala – fazia o 3º ano – mas conversava de tempos em tempos com Rikelly,
às vezes se queixando de ser irmã de Júnior, o professor de matemática da
escola. Ela era uma moça até parecida com Rikelly, exceto por obviamente
aparentar ser um pouquinho mais velha, ter a pele mais escura que a pele de
café-com-leite da minha amiga e não ter a parte de trás do cabelo pintada de
vermelho como Rikelly tinha feito. Fora isso, as duas se assemelhavam muito.
- Não são vocês duas
que são irmãs? – brinquei – Quer dizer, não que você não seja parecida com o
Júnior, é que são bem parecidas vocês duas.
- Começamos a ter
contato de tanto as pessoas falarem isso – respondia ela.
- É verdade –
concordou Rikelly. – Mas e aí, mais alguma previsão?
- Não. Nenhuma.
- Como é? A
Danielle prevê coisas? Como é seu poder? Você tem premonições?
- Sim. Pode me
chamar de Danny, todos me chamam assim – e assim que ela disse isso, acabei de
lembrar que a única vez que vi alguém a chamando pelo nome foi agora, quando eu
fuá apresentada a ela – às vezes tenho premonições. Não é muito legal...
- Por quê?
- Prevejo mais
notícias más do que boas...
- Isso é cansativo?
- Não porque são
raras. Eu acho. Aliás, tive uma sim, agora me lembrei. Queria ter dito a você,
mas com a pressão de uma apresentação em um seminário de Literatura que ia
fazer acabei esquecendo. Foi há algum tempo.
- Sério? – disse
Rikelly surpresa – e o que viu?
- Vi um rapaz de
óculos escuros. Só que atualmente, pelo menos até agora, ele não usa óculos
escuros.
- Que rapaz?
- Aquele – disse
Danny depois de uma olhada em todo o refeitório, apontando com o queixo
enquanto dizia, para não fazer a indelicadeza de usar o dedo indicador. Vi
sorrateiramente quem estava sendo apontado. Era o Carlos.
- Que estranho. É,
ele não usa óculos escuros mesmo. Aquele é o Carlos não é Yasmin?
- É sim – disse
surpresa – Mas por que estaria usando óculos escuros?
- Não sei. Só sei
que é por algum motivo ruim – Danny garantiu.
- Por que diz isso?
– perguntei preocupada.
- Na visão ele se
protegia da claridade. Parecia que a luz o incomodava. Tenho que ir moças.
Dever de literatura. E depois de matemática. Júnior não para de pegar no meu
pé.
E então ela se retirou
depois de nos despedirmos. Antes das aulas da tarde, decidi falar com Carlos
sobre a notícia. Fui até o 1º C e lhe disse o que ouvi.
- Você me deu
vários conselhos sobre tudo e mais um pouco. Gostaria que seguisse esse.
Cuidado com os olhos, ok?
- Ok – disse ele –
mas eu não sigo meus conselhos.
- Como? – o garoto
era enigmático demais...
- Posso saber bons
conselhos, mas não consigo seguir metade deles – disse ele enquanto brincava
com uma folha de papel rabiscada, jogando-a para lá e para cá na superfície da
mesa onde ele estava ao lado.
- Por quê?
- Sou muito
imperfeito. Tento me corrigir sempre, mas muitas vezes não consigo. Passo meus
conhecimentos limitados a diante esperando que alguém consiga. Vou seguir seu
conselho, mas devo lê dizer que meu corpo é meio maluco. Só para você ter uma
idéia, sou resistente a muitas coisas, mas tenho miopia e astigmatismo.
- Ok – respondi
sorrindo – só tente ter cuidado.
Resolvi me sentar e
conversar um pouco com ele. Danny deveria ter muitas anotações a fazer nas
tarefas de casa/sala, pois ainda tinha muito tempo até o começo das aulas a
tarde. Ou talvez ela fosse excelente aluna e fazia as tarefas todas rapidamente
para não ter problemas futuros.
- Mas, sabe – eu
resolvi dizer – pode continuar aconselhando as pessoas, mesmo que elas não te
dêem ouvidos.
- Eu sei. Se o mal
não é o oposto de bem, e só a ausência dele, então se tem a oportunidade de
fazer o bem e não o faz, é o mesmo que fazer o mal. Assim como você não sabe
quando as pessoas fazem o mal a você. Só sabem quando elas não fazem o bem.
- Hum.
Interessante.
- Vou ao banheiro
ok?
- Tá.
Carlos se levantou
sem o menor esforço e foi. Vi de relance que ele tinha largado a folha de papel
na mobília. Pensando ser alguma tarefa que eu, para variar, possivelmente
esqueci de fazer, resolvi olhar o que estava escrito. Não era sobre a escola.
Era uma lista onde, debaixo dos dizeres
“Para Bruno” escrito
no topo da folha com um garrancho minúsculo e semi-ilegível, estava escrito:
BANDAS PARA
CONHECER:
Ganeova
Saimerej
Mayer
Gniyllub
Codinome
Ivan
Cavaleiros do
Cálculo do Sul
Tribo Prateada
Corvo Prateado
Anomalya
Criptograma
Matriculados
Alicate
A folha estava
traçada ao meio. Do lado direito estava a lista que eu tinha acabado de ler.
Depois de me surpreender com os gostos musicais de Carlos – todas bandas de
rock com longas discografias e algumas com miscigenação em musica clássica – vi
a lista do lado esquerdo:
LIVROS PARA LER:
O Mago e a
Princesa
O Livro que só
Jesus Seguiria
O Jerusalém
O Austríaco
Nerd
Notas Sobre um
Mundo não Necessariamente Rimado
AIDS: A Cura
Além das Grades
os Rockeiros
1001 Coisas Para
se Fazer Antes de Morrer
Vagamundo
Quando acabei de
ler, me assustei com Carlos diante de mim, me fitando.
- Desculpe – disse
corando – não era a minha intenção – respondi langando delicadamente e
vagarosamente o papel na mesa em que encontrei, no mesmo lugarzinho de mogno.
- Calma – disse ele
abrindo um sorriso largo, tendo o cuidado para não deixar os dentes para frente
à vista no sorriso, enquanto eu via ele pegando a folha de volta – bom, acho
que agora sabe de que coisas eu gosto...
- Quem é Bruno?
- Um amigo meu do
3º ano. Converso bastante com ele. Como eu gosto muito de tecnologia e ele
entende pra caramba disso, e como ele gosta muito de música e é muito estudioso...
resolvi lhe escrever essa lista. Quer dizer, listas.
- Entendo – disse
enquanto ele dobrava e guardava o papel em um dos bolsos da calça, o mesmo
bolso onde ele guardava um relógio preto. Acabou amassando de modo desajeitado
a folha por isso – eu gostava de rock também...
- Uau, conseguiu
ler minha letra? – disse ele sorrindo de forma surpresa – ela é horrorosa... às
vezes nem eu consigo entender o que escrevo.
- Engraçado. Eu não
sabia que você gosta de rock.
- Só consigo ouvir
rock e música clássica.
- Já leu todos
esses livros? – perguntei impressionada
- Sim sim. Resolvi
não colocar na lista os livros espíritas que já li, porque ele é católico
fervoroso e poderia se afastar de mim. Acho que ele nunca leria livros
espíritas. Vamos ficar um tempo sem nos ver depois de eu lhe dar essa lista.
Ele vai demorar um bocado a ler todos esses livros.
- Mas ele não vai
se formar? Está no 3º correto? E se demorar e ele partir...
- Vão fazer uma
faculdade de súperos aqui ao lado do IJS, para quem quiser estudar perto dos
antigos amigos, dos outros súperos...
- Ah sim, que
legal... pra você, estudo deve ser vital né? Deve ser essencial para sua
vida...
- Eu realmente
gosto muito. Sem leitura nós só sobrevivemos. Com leitura vivemos. Na verdade,
pode-se dizer que é a terceira coisa essencial para mim.
- E quais as outras
coisas? – perguntei automaticamente.
- Coragem e
resignação – ele me respondeu.
Com o passar do
tempo eu percebia que Carlos gostava bastante de literatura, mas gostava ainda
mais de filosofia.